“O que está por trás dos recalls”, segundo Hélio da Fonseca Cardoso
Especialista em recalls lançou em 2015 um livro que aborda em 34 capítulos os principais pontos e polêmicas sobre problemas técnicos em veículos automotores, bem como os riscos entre quem fornece e quem compra
Nosso entrevistado possui uma vasta lista de atuações, entre elas como membro das comissões técnicas de segurança veicular na Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) e diretor em duas gestões no Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape/SP).
Engenheiro mecânico formado há 33 anos pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), ele atua como perito judicial na área de veículos há 31 anos. Autor dos livros: “Veículos Automotores - Identificação, Inspeção, Vistoria, Avaliação, Perícia e Recall” (2012) e “Automóvel Sem Mistérios - 50 Dicas Sobre Tecnologia Veicular” (2013). Ao final do ano passado, Fonseca lançou “Recall em Veículos Automotores - O Que Há Por Trás Disso?”.
Embora recalls ocorram em diversas áreas, enfatizaremos aqui as “convocações no setor automotivo” devido a sua predominância em 75% das ocorrências, segundo o autor. O livro está à venda, na web é fácil de encontrar (Saraiva, Submarino, Walmart e outros), e o leitor poderá encontrar passagens curiosas, como na introdução (pág. 21), onde o autor descreve um caso com uma montadora que, na instrução via manual do proprietário, dizia: “Quando estacionar o veículo em subidas ou descida íngreme vire a roda para a guia, engate a primeira marcha e, preferencialmente, coloque um calço em forma de cunha na roda traseira”, o que revelava um óbvio problema. Durante as perícias do caso, o autor, ironicamente, instruía a montadora a “fornecer um calço original de fábrica, na cor do veículo”. Boa leitura, aqui e no livro.
Fale um pouco sobre sua atuação.
Além da experiência já adquirida, atualmente estou no quarto ano do curso de Direito, visando, assim, aperfeiçoar-me, especialmente para melhorar o contato com juízes e advogados porque o embasamento técnico será ainda maior com o avanço no campo jurídico.
Já esteve envolvido com recalls envolvendo fixação?
Em fixação tive problemas principalmente com amortecedores, alvo de muitas ações de recalls.
Tens algo específico sobre amortecedores?
Os que mais me chamam a atenção são as linhas pesadas nas quais os amortecedores chegam a ser arrancados, gerando situações de acidentes mais graves. Nas linhas leves, quando o amortecedor se desprende, isso gera muito ruído, mas não vai fragilizar tanto o carro numa curva a ponto de ocorrer um acidente grave.
Como define recall, onde ele começou?
Recall é uma sistemática onde uma montadora, por exemplo, ao descobrir que seus produtos têm ou podem vir a ter problemas a obriga a convocar os compradores dos seus veículos para resolver. Mas nem sempre o recall traz a solução definitiva, muitas vezes ele serve para evitar que aconteçam graves ocorrências até que se encontre um remédio. Hoje, na maioria das convocações, chama-se o cliente para uma análise do problema e se ele já ocorre ou está em vias de ocorrer. Troca-se a peça até que se tenha a solução final.
Embora envolva de tudo, quanto você estima que autos representam neste universo?
Aproximadamente 75% são veículos automotores, a maioria sem dúvida, mas outros também deveriam ter a mesma visualização em mídia, mas ficam em segundo plano, a não ser no caso de remédios, que chamam a atenção, mas que são poucos se comparados.
Podemos supor que 80% dos casos com veículos envolvem algum tipo de fixação ou ela está contida no recall.
Você estima que quantos destes 75% envolvem fixação?
A matéria fixação é bem ampla, temos fixações através de parafusos, através de travas e coisas assim.
Em sua trajetória o que mais lhe chamou a atenção nesta atividade?
Para que ocorra o recall de forma conclusiva é necessário haver acidentes. Infelizmente, é isso me mais me chama a atenção. Entendo que mesmo o veículo sendo lançado, os testes deveriam continuar ainda dentro da montadora para que ela chegasse a conclusões antes de acidentes mais graves, com ou sem morte.
Muitas fábricas se instalam em locais onde não têm pessoas que dominam o assunto, mudança incentivada apenas pela redução de custos
Como você encara o impacto da obsessiva redução de custos, é ela a grande responsável pelos retrabalhos?
Não tenho dúvidas que é isso, tanto é que no livro deixo bem claro que nós poderíamos falar sobre o aumento de recalls usando simplesmente o conteúdo de redução de custos sobre vários aspectos, primeiro que não temos mão de obra bem preparada e preparar isso tem custos. Então, a redução de custo começa aí. Muitas fábricas se instalam em locais onde não têm pessoas que dominam o assunto, mudança incentivada apenas pela redução de custos, como menos impostos. Portanto, se torna necessário formar novas equipes, isso antes do início da fabricação. Além disso, ao formar podemos ter mudanças, e na reposição começamos do zero. Isso é mundial, e essas montadoras buscam isso para manter sua competitividade. Por outro lado a competição impõe lançamentos, que são feitos em tempo muito abreviados. Isso aumenta a tendência para falhas.
Qual ponto especial você gostaria de citar sobre o livro?
Cito o capítulo 26, que aborda os recentes problemas envolvendo airbags. Durante anos lutamos para que todos os veículos nacionais tivessem este dispositivo que, desde 2014, se tornou uma realidade para os carros nacionais, desde os mais baratos até os top de linha. Porém, não sei se ele nos trouxe, ou não, vantagens. Ok, muitas vidas foram salvas por este dispositivo, mas para colocar em funcionamento em diversos países as linhas de produção deveriam ter permanente adequação. Cito isso porque recentemente tivemos um grave problema com uma empresa japonesa, a Takata, no qual os airbags que ela produzia, feitos entre México e EUA, disseminaram um problema global, onde, mesmo com o airbag funcionando, ocupantes de carros poderiam morrer não pelo acidente, mas em razão da dispersão de conteúdos desse sistema, composto de malhas de metais. Hoje tenho sérias dúvidas sobre a solução final para este caso, pois será preciso ter fabricantes de airbags para todos os veículos, mas precisaremos de fabricantes para a correção deste recall, que gira em torno de 55 milhões de veículos, cada qual com dois dispositivos, no mínimo. Por aí teremos uma grande quantidade a ser produzida para reposição, além da demanda de veículos novos. Tendo em conta que a Takata está praticamente parada com este problema, ela não terá como suportar essa produção. Então quem vai fabricar com qualidade e com todos os itens de segurança que se deve ter? Existe o risco dos problemas se prolongarem com pessoas acreditando estarem adquirindo veículos seguros e protegidos contra graves efeitos de acidentes, o que não é verdade.
Hélio da Fonseca Cardoso
Engenheiro Mecânico, foi diretor do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias – Ibape/SP