Vivendo enxuto - "Bom Dia"
A manufatura enxuta ou "lean manufacturing" é a filosofia desenvolvida pela Toyota para administrar a produção. Um dos quesitos exigidos é praticar a produção puxada: "O cliente define o ritmo da fabricação". Nesse artigo é descrita a sietemática "Bom Dia", que aplica esse príncipio para aprimorar o apoio técnico nas reuniões diárias da produção
Era um encontro de rotina com o engenheiro de qualidade da Galvânica na Robert Bosch, de Campinas, SP, onde tratávamos sobre como reunir e discutir os problemas da produção e qualidade, conforme recomenda a manufatura enxuta de pelo menos uma vez ao dia, juntar cada time das mais de dez linhas de galvanização com a participação do pessoal técnico de apoio. Se cada evento desses durasse de 15 a 20 minutos, incluindo os deslocamentos do pessoal e fossem realizados em seqüência, seriam quase três horas por dia destinadas às reuniões. Mas afinal, quando resolveríamos os problemas apontados e faríamos as tais melhorias contínuas? Não seria melhor indicar um padrinho por linha para coordenar os apoios? E como ele faria contato rápido com tanta gente e resolveria os inevitáveis conflitos de prioridade para utilização dos recursos técnicos?
O jeito foi perguntar de novo quais eram os objetivos da reunião diária: identificar desvios de processo e solucionar problemas. A solução óbvia seria um mutirão: reúne-se diariamente todo o corpo técnico na fábrica e trocam-se informações no melhor estilo “mercadão de peixes” ou “de ações”. É, até que funciona, mas seria um tremendo desperdício de energia. Ora, em vez de “empurrar informação” de um lado para o outro, seria melhor o cliente (nesse caso a produção) “puxar apoio”. Os líderes de linha passaram, então, a definir qual suporte necessitavam naquele dia através de Kanbans (cartões) colocados pelo 1º turno num painel central.
O time de apoio, do manutentor ao gerente, encontrava-se pela manhã por cinco minutos em frente ao painel. Olhávamos atentamente a situação geral, refletíamos e sem muita falação, cada um retirava os cartões que pudesse assumir, retornava-os à linha solicitante e ali participava da reunião matinal. Caso a quantidade puxada fosse maior que o recurso disponível, o excedente era assumido imediatamente pelo supervisor, chefe ou até mesmo gerente. Desse modo, a capacidade técnica e o poder de decisão eram melhores disponibilizados no Gemba (local onde a agregação de valor ocorre). Em poucos dias atendíamos simultaneamente todas as linhas em menos de 20 minutos, com menor esforço e mais qualidade de atendimento. Tivemos a felicidade de batizar o evento de “Bom Dia”, pois praticamente não era necessário dizer nada mais.
Com o passar do tempo incluimos outros Kanbans referentes a nível dos supermercados, segurança, conceitos lean etc; sem gastar mais tempo. Era como passar de um processamento serial para paralelo, mas sem nenhum investimento ou sequer as famosas atualizações de software. Esse processo simples e transparente conquistou a confiança de todos os funcionários. Mesmo quando havia reunião externa e muitos do escritório se ausentavam, o “Bom Dia” acontecia, provando ser a aplicação adequada da filosofia bem maior que qualquer um de nós. Os 2º e 3º turnos implantaram sistemática semelhante na troca de turnos, tornando-a mais eficaz. A novidade se espalhou, e por conta disso recebemos visitas de outras áreas, fábricas e empresas. Alguns poucos céticos perguntaram se a sistemática era homologada. Até então não era, mas passou a ser. Aplicar conceitos é muito mais que usar ferramentas conhecidas.
Carlos Roberto Lopes
O autor é professor da Facamp e Metrocamp em Campinas, além de consultor de estratégia
e manufatura enxuta . Foi executivo da Robert Bosch Ltda. por 23 anos e professor da Unicamp por 12 anos.
Carlos Roberto Lopes
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